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FERNANDO NAPORANO: SEM MAIS NINGUÉM A DIZER ADEUS 

'O que vive em gavetas é ainda gigantesco.'

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sem Mais Ninguém a Dizer Adeus é o teu nono livro de poemas. Poderia falar um pouco da tua trajetória como poeta?

 

Infelizmente, apenas o nono, mas bem poderia ser meu vigésimo. Escrevo poesia desde criança, desde os liláses tempos em que me apaixonei pela professora do primário e achava mesmo que eu poderia conquistar o seu amor através de bilhetes e poeminhas. Com 15 anos finalizei, de maneira precisa, meu primeiro livrinho, o Estrelas De Gin. Atravessei décadas gerando livros a troco de nada. O fato de viver no Brasil e de jamais ser parte de panelas ou de grupelhos de influenciáveis, fizeram com que meus livros fossem barrados, isso sem contar os vários planos econômicos, incêndio em duas editoras, troca de editores no momento em que minha obra estava no prelo ou simplismente ódio e antipatia a minha pessoa que, desde o fim da adolescência, se tornou conhecida na área jornalística.

  

Tenho um excesso de material inédito. Apesar de ter publicado diversas vezes poemas em revistas, jornais e antologias, o que vive em gavetas é ainda gigantesco. Tenho enorme frustração em não ter muitos mais livros publicados. Tomando um pouco desse passado em consideração, em 2017, reparei um pouquinho essa mágoa, ao editar em Portugal, A Educação De Vera (Poética Edições), escrito na altura de meus 19 anos e prefaciado, na época, pelo Claudio Willer que entrevia na minha escrita, um futuro promissor. Adoraria ter a chance de reparar muito mais essa situação e poder achar uma editora que absorvesse, de imediato, a publicação de, digamos, uns 5 outros livros, em caráter imediato.

 

 

As três epígrafes que dividem o livro são nomeadas por álbuns, com três musicalidades distintas, como uma espécie de poesia-ópera-lírica do drama passional. Além disso há várias referências à canções, músicos e ritmos, como por exemplo “em equidistante síncope vinha a voz de Anne Briggs”. Como se processa esta interface com o teu trabalho como músico na tua poesia?

 

A música, assim como o cinema e as artes plásticas, são parte integral de minha vida e consequentemente, de minha obra. Porque eu sou a obra, nada mais ou nada menos que isso. Alguns de meus poemas são legendas para milhares de composições musicais que Amo. Outros, palavras que poderiam compor um quadro de Monet ou serviriam de legenda a alguma cena supra-silenciosa do Tarkovsky.

 

O teu livro é fascinante, erudito e complexo. Além da música, há fortes alusões ao cinema e às artes visuais. Penso que alguns poemas operam como colagens irônicas ou surrealistas, homenagens estéticas, como a personagem femme fatale de Kathleen Turner em Bodyheat. Estou certa?

Certíssima e, sem querer, - ao responder as suas perguntas num gole só - já havia mencionado tais curiosidades na resposta da questão anterior. Utilizo, em certas ocasiões, colagens, menções, citações, alusões e afins como parte da indumentária-caleidoscópica às minhas deambulações. Por isso, admito que minha veia poética é singular e chic em certos desfiles. Sonho também com livros interativos, onde surjam composições musicais a cada leitura de cada poema. 

 

O que me intriga mais é a audácia neo-romântica, intensa e desesperançada da devoção para uma musa. O adeus é um desencanto contemporâneo com o lirismo? Ainda há lugar para as musas e para paixão na poesia num mundo tão mesquinho?

O adeus – e o largo sentido metafísico nele contido - é um canto imerso num lirismo, tão desesperador e ferido quanto extremista. Sobretudo, um cântico perturbador em todos os sentidos. Há lugar sim para se apaixonar. Persisto! Vou morrer disso e nisto. Seja na paixão possível ou na paixão impossível. Apaixonar-se, em condição de entrega, sonho e delírio, é a única coisa que dá sentido a minha vida.

 

 

Poderia comentar o excepcional trabalho da ilustradora Rey Zorro para ‘Sem Mais Ninguém a Dizer Adeus’?

 

A artistaça Rey Zorro, hoje residente em Londres, sem qualquer exagero, poderia estar no mesmo patamar de sucesso e reconhecimento que um Bansky ou outro significativo artista que o valha. Apenas, assim como na literatura, no cinema ou na música, ainda não foi devidamente descoberta. Sua obra é gigantesca e sua trajetória, multifacetada. Tive o privilégio de te-la como capista e ilustradora em três ocasiões e espero repetir a dose. A essência de sua obra pode ser simbolizada como uma cavalgada de Francis Bacon a atravessar a história da Pop Art indo parar nos píncaros do Indizível. Ela é única e estupendamente memorável e criativa.

 

 

Você viveu em vários países e hoje mora em Madrid. Você crê que o teu isolamento geográfico afeta teu reconhecimento como poeta? Como percebe o cenário da poesia hoje no Brasil?

Não creio que meu isolamento geográfico seja responsável pela minha condição nata de outsider. Se eu estivesse no Brasil, seria a mesmíssima coisa. O cenário atual da poesia brasileira está para lá de Deus-Me-Livre. São dezenas de poetas desfilando suas selfies em Facebook e ganhando seus aplausinhos diários. Execráveis, todos eles, todas elas. Há, claro, excessões, mas essas tais, com suas devidas qualidades, aparecem muito pouco ou nada. Não fazem parte da parada do sucesso dos pretenciosos narcisos, sempre engajados e convidados para feiras, festivais e encontros. São as raias dos quintos dos infernos essas confraternizações de escribas multi-medíocres. Mete-me muito nojo tudo isso.

 

Em suma, eu não faço parte ou conheço as panelinhas de jurados que concedem Jabutis ou Prêmio Oceanos. Não ando com colunáveis ou com as estrelinhas das selfies do Facebook. Nunca andei com catedráticos de nenhuma espécie. Nunca tive apreço pelos ditos intelectuais. Nunca me aliei ou simpatizei com quaisquer partidos políticos. Nunca pisei numa porra de USP em toda minha vida. Para completar, jamais ingressei na caetanave, e não tenho as teses e os títulos de mestrado que parecem ser decorações obrigatórias. 

 

 

Tenho curiosidade em saber se você continua a dedicar-se à música. 

 

Ouço música 24 horas ao dia, sempre e para sempre. Amo! Entretanto, não penso jamais a voltar a minha seara que era a do rock. Acho feio, muito feio, velhos tocando rock. Se eu fosse um músico de tecidos como o clássico, o experimental ou o jazz, faria sentido, sim. Apenas posso, por agora, parafrasear Ian Anderson e concluir que estou Too Old To Rock’n’Roll Too Young Too Die.

 

 

E os teus planos futuros? Você prepara um próximo livro, pensa em retornar ao Brasil? 

 

 Já tenho dois novos livros prontos. Nas Colinas De Valdemossa Com O Fantasma De George Sand, um tratado de máximo romantismo e Gardênia Em Chamas, uma obra de tonalidades experimentais. Posso confeccionar outros. Botar um livro em pé, a mim, é algo muito fácil. Ao Brasil, nem morto pretendo retornar. Eu nunca tive qualquer afeto pelo Brasil. É uma caótica Tranqueira, destroçada, violenta e suja, que nunca funcionou ou funcionará direito.

Fernando Naporano é músico, jornalista e professor. Escreve poesia desde a infância e tem nove livros publicados. Publicou críticas, reportagens, ensaios e entrevistas nos maiores veículos da mídia brasileira por mais de 25 anos. Executou vários trabalhos em rádios, televisão e companhias discográficas. Também pilotou a cultuada banda Maria Angélica Não Mora Mais Aqui com a qual gravou três Lps. Após ter vivido em Los Angeles, Lisboa e Londres, vive hoje em Madrid, sua cidade favorita.

Fernando Naporano is a Portuguese teacher, writer, journalist, musician, and a full time poet. Lived for many years in London, New York, Lisbon, Los Angeles, and is currently based in Madrid. He recorded 3 albums with his band Maria Angélica Doesn’t Live Here Anymore. Worked for radio and record companies. He published 9 poetry books so far.

artwork: Rey-Zorro

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