top of page

EDITORIAL

​

A revista Theodora surgiu de uma confluência de experiências e diálogos entre poetas, escritores, tradutores e artistas visuais brasileiros e estrangeiros, de viagens, vivências individuais e coletivas de publicações, leituras, festivais espalhados pelo mundo, de conversas presenciais e online. Nossa proposta é de unir diferentes perspectivas, dentro de um âmbito individual mas também coletivo, num momento em que luta-se por identidades num turbilhão de hiperprodutividade e de mídia social em que estamos imersos, e numa época de violências epidémicas. Novas formas de ver, retratar e questionar o mundo se fazem necessárias.

​

A mídia e a tecnologia, com seu potencial para o bem e para o mal, têm demostrado que poetas e escritores podem atingir um público muito mais vasto com sua escrita. A tecnologia ao longo dos anos tem facilitado o diálogo entre poetas e escritores de diferentes países, e tem transformado as formas de interação criativa da poesia e literatura com outras artes, com a utilização de plataformas audiovisuais variadas. O crescimento dos festivais de filme poemas é um exemplo.

​

Hoje pode-se ler um poema recém escrito de forma imediata, em lugares diversos do mundo. O recente assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro provocou uma intensa mobilização entre os poetas brasileiros e mesmo estrangeiros. Poemas de protesto circularam na web, e estavam no dia seguinte sendo lidos em atos de vigília por cidades brasileiras e no exterior, expressando a dor de um trauma coletivo, e de uma violência política e de gênero que infelizmente não é nova na América Latina. A poeta e artista Julieta Hanono fala sobre esta violência nos seus poemas e trabalhos visuais selecionados para esta edição, quase visionários deste trágico evento.

​

A crise cultural e política atual tem gerado nacionalismos exacerbados e intolerâncias de todo tipo. Contribuições culturais e reflexões de outras culturas e conceitos, estéticas inclusive, são necessárias neste momento. Um sentido mais coletivo de comunidade transnacional se faz necessário nesta realidade. A tradução ajuda a cruzar fronteiras de linguagem, e o momento parece auspicioso para este trâmite. A poesia e a literatura contemporâneas escritas em português tem atraído a atenção de tradutores, editores e críticos estrangeiros. A tradução de autores contemporâneos estrangeiros também tem aumentado em países como Portugal e Brasil, e o fluxo de publicações editorais tem também se intensificado entre estes dois países.

​

Desta forma, a proposta da primeira edição de Theodora reúne autores brasileiros, portugueses, e de diversos países. O inglês se impõe como uma língua oficial da tradução, mas há espaço para traduções em outras línguas, o espanhol, francês, catalão, italiano, árabe – eventualmente para trabalhos apenas em português. A riqueza destas línguas nos conduz para outros cenários da psicogeografia e suas implicações, como a questão palestina nos poemas de Najwan Darwan, as questões de classes trabalhistas no poema do inglês Antony John Francis, a atmosfera asiática dos trabalhos da artista visual sérvia-alemã metamard, que vive em Xangai. A psicogeografia também causa impacto de longe, nas cenas violentas na tela, com fortes impressões reproduzidas nos poemas minimalistas da catalã Jessica Pujol.

​

A diversidade se impõe em outras identidades. No momento de uma crise do patriarcado que é mundial, e muito marcada no Brasil neste momento, a questão feminista é urgente e necessária, como apontam os poemas da poeta militante Adelaide Ivanova e a ilustrações de Alice Geirinhas, mas também outros femininos se fazem presentes – a escrita orgânica e teatral de Sónia Baptista, ilustradas num diálogo visual por Julia Panadés; as sexualidades queer e kinky retratadas nos trabalhos de Cristina Judar; um feminino mais dark nos  trabalhos de Wynn Harms e Ana Seferovic, autora que também mergulha no centro de experiências maternais negativas; a tentativa de suturar a dor de um divórcio, recuperando uma antiga tradição portuguesa de bordar lenços masculinos. Expressões femininas que precisam ser examinadas, e quem nem sempre se encaixam em modelos estereotipados de gênero e de expectativas da sociedade.

​

As masculinidades (heteronormativas e queer) também têm sofrido bastante com o patriarcado, e diferentes expressões de masculinidade também são incluídas aqui. Marcos Prado fala do universo dos bares, do álcool, da busca de uma camaradagem entre homens; Vanderley Mendonça do homem amoroso (às vezes visto como o ‘homem fraco’ nas culturas latinas), que sofre e anseia pela expressão emocional do seu amor; o poeta brasileiro Eduardo Jorge, que vive entre Zurique e Paris, da crise de sua identidade migratória; o escritor João Gilberto Noll, já falecido, do impacto da doença mental e da psicofobia, um tema bastante atual; Ricardo Tiago Moura, Horácio Costa e Rob Halpern de questões ligadas à homosexualidade, e da forma queer de estar e perceber o mundo. O poeta e tradutor português Ricardo Marques faz indiretamente outras leituras de gênero, tanto na sua colagem mulher alfa quanto na tradução da ‘avó do punk’ Patti Smith. Num momento em transgêneros começam a ter mais visibilidade na sociedade (como ilustra um poema de Horácio Costa), André Tecedeiro, que se chamava Ana, fala desta transição.  As transições e crises biopolíticas do corpo, sob a ótica do filósofo transgênero Paul B. Preciado são pensadas em um ensaio que escrevi há algum tempo, e que me parece oportuno e atual incluir aqui.

​

Outros diálogos em ascensão ganharam também um espaço nesta revista. Filme poemas, e narrativas visuais, com um futuro espaço para poemas sonoros.  Adriana Zapparoli oferece uma reflexão híbrida e visual em ‘Amor de Abutre’, onde aborda as dificuldades amorosas entre os sexos, que estão também estão relacionadas com masculinidades fragilizadas e complexas. A música também transita nesta frequência, como no poema visual Get Ready, e numa entrevista com Claudia Pinheiro, que migrou do mercado editorial para tornar-se uma figura proeminente na cena underground da música eletrônica paulistana. Ela comenta que fazer um set é contar uma história, e histórias também podem ser musicadas. 

​

A revista Theodora procura assim celebrar estas identidades diversas, que transitam visualmente entre o rico fluxo de artistas que colaboraram com esta edição, fotógrafos, ilustradores, pintores e videoartistas que gentilmente cederam materiais para este primeiro número.  A revista seria impossível sem o trabalho rigoroso dos tradutores, um pilar essencial deste projeto. Créditos de tradutores, artistas visuais e autores podem ser encontrados nos índices de colaboradores e nas diversas seções da revista.

​

Virna Teixeira

​

Londres, primavera de 2018

​

​

EDITORIAL

​

​

Theodora has emerged from a confluence of experience and dialogue between poets, writers, translators and visual artists, from travels, individual and collective experiences, publications, readings, festivals around the world, personal and online conversations. Our aim is to bring together different writing and artistic perspectives, at a time when we fight to express our identities in the swirl of hyper-productivity and social media, and at a time of an epidemic of violence. New ways of seeing, depicting and questioning the world need to be addressed.

​

Media and technology, with their potential for good and evil, have showed that poets and writers can reach a much larger audience with their writing. Technology has facilitated cross-border dialogue amongst poets and writers, and has transformed the interaction of poetry and literature with other arts. The recent emergence of festivals of film poems is an example.

​

These days you can read a just-written poem almost immediately, from wherever you are in the world. The recent murder of the councillor Marielle Franco in Rio de Janeiro has provoked an intense mobilisation among Brazilian and even foreign poets. Protest poems have circulated on the web and were on the next day being read in protests in Brazil and abroad, expressing the pain of a political and gender violence which is not new in Latin America. Argentinian poet and visual artist Julieta Hanono reflects on this violence in her poems and visual works selected for this edition, almost foreseeing of this tragic event.

​

The current political and cultural crisis has generated exalted nationalism and intolerance. Cultural contributions from and reflections on other cultures and concepts, including the aesthetic, are needed now. A more collective sense of transnational community is necessary. Translation helps to cross language borders, and the moment seems auspicious to go down this path. Contemporary poetry and literature written in Portuguese have received attention recently from foreign translators, publishers and critics. The translations of foreign contemporary authors have also increased in Portuguese-speaking countries, and the volume of publications in these countries has also increased.

​

So this first edition of Theodora brings together Brazilian, Portuguese and international authors. English is the official language of this project, but there is space for translations in other languages - Spanish, French, Catalan, Italian, Arabic - and we may publish some work only in Portuguese. The richness of these languages can take the reader to other spaces of ‘psychogeography’, with all its implications: take for instance the Palestinian political issues present in Najwan Darwan’s poems; the working class issues in the work of English poet Antony John Francis; and the Asian atmosphere of the works by Serbian-German born visual artist metamard, who lives in Shanghai. Psychogeography also impacts from a distant view, in violent scenes on the screen, with strong impressions depicted in the minimalistic writings of Catalan poet Jessica Pujol.

​

Diversity also imposes itself in other identities. In a moment of a worldwide crisis of patriarchy (very evident in Brazil currently), a feminist approach is urgently needed.  The poems of activist poet Adelaide Ivanova and the works of Portuguese illustrator Alice Geirinhas address these issues. Other feminine identities are also depicted here – the organic and theatrical writings of Sónia Baptista, illustrated through a visual dialogue with Julia Panadés; the queer and kinky sexuality depicted in Cristina Judar’s works; a darker and tougher shade of female experiences in Wynn Harms e Ana Seferovic, who also dives into the core of a negative maternal experience; the attempt to suture the pain of a divorce, recovering an old feminine tradition in Portugal and Brazil of sewing male handkerchiefs in Camila do Valle’s writing. Female expressions that need to be examined, and which sometimes don’t fit stereotyped models of gender.

​

Masculinities (heterosexual and queer) have also suffered from patriarchy, and are crossing a significant crisis. Marcos Prado talks about the universe of bars, of alcohol, of searching for camaraderie amongst men; Vanderley Mendonça about the amorous man (sometimes seen as a weak man in Latin cultures), who suffers and is eager to express emotionally his love; Brazilian expat poet Eduardo Jorge about the crisis of his migratory identity; Brazilian writer João Gilberto Noll, who died a few years ago, on the impact of mental health problems and psychophobia, a very contemporary problem; Ricardo Tiago Moura, Horácio Costa and Rob Halpern of societal questions linked to their homosexuality, and of their queer way of living and perceiving the world. Ricardo Marques searches indirectly for other reflections on gender, in his collage ‘alpha female’ and in the choice of translating ‘the godmother of punk’ Patti Smith. Transgender people start to have more visibility in society (and Horácio Costa draws our attention to this in his poem published here). André Tecedeiro, who was called Ana, speaks about this transition. The transitions and biopolitical crisis of the body, under the view of transgender philosopher Paul B. Preciado are discussed in an essay that I wrote some time ago, which I thought opportune to include here.

​

Other emerging dialogues are also included. Film poems and visual narratives, with a future space for sound poems in the future. Brazilian poet Adriana Zapparoli offers a hybrid visual reflection in ‘Amor de Abutre’ (Vulture’s Love), where she approaches love difficulties among men and women, which are also related to complex and fragile masculinities. Music also transits this frequency, take for instance the visual poem Get Ready (also an exploration on femininity), and the interview with Claudia Pinheiro, who migrated from a publishing house to become a prominent figure in the electronic underground scene in São Paulo. She comments that to make a set is to tell a story. Stories can have soundtracks.   

​

Theodora magazine tries to celebrate these diverse identities, which transit visually among the rich stream of artists collaborating with this edition: photographers, illustrators, painting and videoartists, who kindly allowed their works to be published in this first edition. The magazine would not have been possible without the careful work of the translators, an essential cog in this project. Information about visual artists, translators, poets and writers can be found in the main index and in the sections of the zine.

 

Virna Teixeira

 

London, Spring 2018

 

 

Créditos | Credits

​

Publisher

Carnaval Press (London, UK)

Issue 1 | Spring 2018

​

Frequency 

3 issues | year

​

Contact

theodorazine@gmail.com

​

Editora | Editor

Virna Teixeira

​

Designer gráfico | Graphic design

Virna Teixeira

 

Logotipo

Renan Iha

 

Arte da Capa | Cover artwork

Rámon Peralta

 

Conselho Editorial | Editorial Board

João Concha (Portugal)

Ricardo Marques (Portugal)

Cristina Judar (São Paulo)

Jessica Pujol (Chile)

Eduardo Jorge (Zurique)

bottom of page