Uma fotografia de família por um franco suíço.
Língua rugosa, a da madeira. A que sustenta em terra duas breves mesas, toalhas brancas e dois arranjos florais. Mesmo que o hábito não esteja nas flores, nos trajes, em algum provável domingo ou na ocasião para os rostos no dia seguinte, findo o trabalho, emparelhados em máscaras de alívio e de descanso. As máscaras atravessam pose e posse para serem fotografia. Língua áspera, a da madeira. A que sustenta vinte e oito pessoas: gerações em botões e em bigodes. Dois arranjos. Um desfocado. Outro praticamente motivo, vocação de fotografia. Teria sido motivo não fosse sobre a terra duas tábuas: a base das flores, do sangue e do brinde.
A family photography for a Swiss franc.
Rugged tongue, the wooden one. The one which supports two short tables on the ground, white towels and two flower arrangements. Even though the habit is not in the flowers, in the outfits, in some probable Sunday or on the occasion for the faces the following day, after work, paired in masks of relief and rest. The masks cross pose and possession to be photography. Coarse tongue, the wooden one. The one which supports twenty and eight people: generations in buttons and moustaches. Two poses. One blurred. The other practically the reason, vocation of photography. It would have been the reason if it weren’t for two boards on the ground: the basis for the flowers, the blood and the toast.
Meus 11 metros quadrados de União Europeia.
O estatuto permanece o de estrangeiro. A língua mantém um acento. Saltos sintáticos acontecem aos poucos nestes seis anos. O saber não especializado sob a rubrica "literatura". Mas você parece um. Mimetismo e transparência. O quarto é branco. A cama, de solteiro. Os livros se amontoam. Discos. Dicionários. Prefiro que as coisas ocupem também o espaço. O gato. O gato não é estrangeiro. Se o for será por contiguidade. Ele nasceu aqui. Às vezes tento inventar uma origem pela via dos avós, mas eles foram tão silenciosos em relação ao lugar de onde vieram. Mantenho o silêncio. E a vitrola. Sem mimetismo. Opaco. Uma opacidade de fotografia nos olhos. De rostos sérios ou de riso difícil. Cinco anos de análise bastam para que eles vivam do lado de cá. No idioma em que mia o gato. Que bate o coração. No idioma onde livros se acumulam pelo chão. Discos, filmes, meias e calças. No idioma mudo dentro de um quarto branco. No idioma que acordo sozinho, alegre. Um dia depois do outro. O dia depois de um outro. Em qual idioma ele caminha?
My 11 square meters of the European Union.
The statute is still that for foreigners. The language keeps an accent. Jumps of syntax happen little by little during these six years. The non-specialised knowledge on the topic "literature". But you look like one. Mimicry and transparency. The bedroom is white. A single bed. The books pile up. Records. Dictionaries. I prefer that things occupy the space as well. The cat. The cat is not foreign. If it is, it will be by proximity. He was born here. Sometimes I try to invent an origin through my grandparents, but they were so silent about the place where they came from. I keep the silence. And the turntable. Without mimicry. Opaque. An opacity of photography in the eyes. Serious faces or hard smiles. Five years of analysis are enough for them to live on this side. In the language in which the cat meows. That the heart beats. In the language where books pile up on the floor. Records, films, socks and trousers. In a mute language inside a white room. The language in which I wake up, happy. One day after another. The day after the other. In which language does it move?
Hotel Beatriz
uma paisagem da língua
no final do ano 2017.
a sintaxe torta, agora a árvore
do vinte e três de dezembro,
commuting languages
aos ouvidos palavras piscam
piscam
e, de dentro da luz,
não há orientação –
um feixe-ano branco.
Hotel Beatriz
a tongue’s landscape
at the end of 2017.
the twisted syntax, now the tree
of the twenty-third of December,
commuting languages
words blinking to the ears
blinking
and, from inside the light,
there is no way –
a white year-beam.
Nur Schwarz
I
com o cigarro
eles compartem
uma traqueia ex
-terna aos pés
do inverno – uma
chaminé curva
e imperfeita,
oposta à cisterna.
muda a neve: água
e células aos céus
descem em cores até
um tudo-tão-branco
o campo onde
descalços eles
ainda fumam
sem flores.
II
a cidade desertada, Noel.
eles – quase, ainda não, mas – eles
se sustentam nas cicatrizes –
abaixo do lábio inferior –
no seio direito e no alto do abdômen.
o silêncio e a cidade ainda mais
deserta são soprados: Heimat
III
Witz-voltagem,
o corpo em voltz
salta da página
à piscina: crawl
nada soletra
os ombros as mãos
e pessoas passam
batem com os pés
a rua do comércio
crowded e as vitrines
nas vitrines: piada-
pronta – para viagem
ou outro salto –
o dia partido ao meio:
desigual, em raio.
Eduardo Jorge
Translated by Virna Teixeira and Edward Leek
Nur Schwarz
I
with the cigarette
they share
a drag ex
-ternal to winter’s
feet – a crooked
and imperfect
chimney,
opposite the tank.
the snow changes: water
and cells to the skies
come down in colours to
the all-so-white
the field where
barefoot they
still smoke
without flowers.
II
the deserted city, Noel.
they – almost, not yet, but – they
survive on the scars –
below the lower lip –
in the right breast and in the upper abdomen.
the silence and the city even more
deserted are whispering: Heimat
III
Witz-voltage,
the body in voltz
jumps off the page
into the swimming pool: crawl
nothing spells
the shoulders the hands
and people pass
stopping their feet
the high street
crowded and windows
in the shop windows: a ready-made
joke – take away
or another jump –
the day split in half:
unequal, in flashes.
Eduardo Jorge de Oliveira fotografa e escreve poemas e ensaios. Publicou os livros de poemas: San Pedro (2004), Espaçaria (Lumme Editor, 2007), Caderno do estudante de luz (Lumme Editor, 2008), Pá, pum (com Lucila Vilela, 2011), Como se fosse a casa – uma correspondência (com Ana Martins Marques, Relicário, 2017) e Teoria do Hotel (Demônio Negro, 2018, no prelo). Vive entre Paris e Zurique.
Eduardo Jorge de Oliveira is a photographer, poet and essayist. He has published the books of poems: San Pedro (2004), Espaçaria (Lumme Editor, 2007), Caderno do estudante de luz (Lumme Editor, 2008), Pá, pum (com Lucila Vilela, 2011), Como se fosse a casa – uma correspondência (with Portuguese poet Ana Martins Marques, Relicário, 2017) and Teoria do Hotel (Demônio Negro, 2018, in press). He lives between Paris and Zurich.